Finalmente o governo federal apresentou a Proposta de Emenda à Constituição substitutiva para tratar da reforma tributária. O texto apresentado traz grandes inovações e com elas, muitos pontos polêmicos que deverão ser objeto de discussões futuras em caso de aprovação.
O texto prevê a criação de um novo imposto, que incidirá sobre bens e serviços prejudiciais à saúde, conforme edição de lei complementar, em outras palavras, seria o equivalente ao imposto seletivo, que terá seu fato gerador, bem como o conceito daquilo que é prejudicial à saúde definido pela legislação tributária. Há uma tendência de profundos debates para uma conclusão acerca do conceito de serviços prejudiciais, principalmente. Tal imposto, ao que tudo indica, terá uma forte característica extrafiscal, com o claro objetivo de desestimular o consumo dos bens e serviços citados.
Tal imposto poderá ter alíquotas alteradas por ato do poder executivo além disso se submeterá somente ao princípio da noventena, mas não à anterioridade de exercício, seguindo uma característica que já era presente no imposto sobre produtos industrializados.
Esse imposto não incidirá sobre as exportações, integrará a base de cálculo dos tributos previstos nos artigos 155, II, 156, III, 156-A e 195, V e poderá́ ter o mesmo fato gerador e base de cálculo de outros tributos, gerando uma base de cálculo aberta e com uma nítida onerosidade excessiva, sobretudo pela sua incidência em cascata.
Ademais, no tocante ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), relativamente a bens móveis, títulos e créditos, ele será de competência do Estado onde era domiciliado o de cujus, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal. Tal regra simplifica o entendimento que já era aplicado, seguindo a regra do artigo 1785 do Código Civil, pois o imposto já era devido no último domicílio do de cujus.
Como se não bastasse, o projeto regulamenta a incidência do ITCMD quando doador é residente no exterior ou quando o inventário é processado no exterior, atendendo à exigência do tema 825 [1] da repercussão geral, julgado pelo STF. Com isso, se o doador tiver domicílio ou residência no exterior será devido o ITCMD para o Estado onde tiver domicílio o donatário ou ao Distrito Federal e, se o donatário tiver domicílio ou residir no exterior, ao Estado em que se encontrar o bem ou ao Distrito Federal. Já no caso de transmissão causa mortis, relativamente aos bens do de cujus, ainda que situados no exterior, caberá o imposto ao Estado onde era domiciliado, ou, se domiciliado ou residente no exterior, onde tiver domicílio o herdeiro ou legatário, ou ao Distrito Federal.
Além disso, o ITCMD será́ progressivo em razão do valor da transmissão ou da doação, consolidando uma jurisprudência adotada pelo STF em 2013 [2] no texto constitucional. Entretanto, o comando passa a ser pela aplicação obrigatória do princípio em questão, que até então era facultativo.
Assim, os estados passam a ser obrigados a aplicar a progressividade podendo impactar nos planejamentos sucessórios que já foram realizados adotando como domicílio o estado de São Paulo, por exemplo, cuja alíquota é única de 4% e terá que ser progressivo.
A reforma traz ainda importantes alterações com relação ao Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor (IPVA), que além de poder ter alíquotas diferenciadas em razão do tipo e utilização, também poderá ser progressivo, com alíquotas variando de acordo com o valor do veículo. Tal inovação poderá impactar no setor automotivo e gerar uma tributação relevante, considerando os elevados valores dos veículos no Brasil atualmente. Além disso, também será possível a adoção de alíquotas diferenciadas levando em consideração o impacto ambiental, de modo que os veículos menos poluentes serão beneficiados, abrindo espaço para um crescimento da utilização de veículos elétricos.
Além disso, passa a incidir o IPVA sobre embarcações e aeronaves, com exceção de aeronaves de operador certificado para prestar serviços aéreos a terceiros, o que certamente deverá ser fiscalizado pois os detentores de tais veículos poderão tentar se esquivar da nova incidência tributária transferindo os veículos para uma pessoa jurídica cujo objeto social é taxi aéreo, com a finalidade de não o recolher tributos.
Também não incidirá o IPVA sobre embarcações de pessoa jurídica que detenha outorga para prestar serviços de transporte aquaviário ou de pessoa física ou jurídica que pratique pesca industrial, artesanal, científica ou de subsistência, excluído das imunidades as embarcações esportivas, como embarcações à vela e jet skis, o que poderá até mesmo prejudicar os esportes brasileiros.
E por fim, a terceira imunidade do IPVA abrange plataformas suscetíveis de se locomoverem na água por meios próprios. Como se pode ver, o impacto no setor do petróleo será enorme porque todas as embarcações de suporte, reboque e serviços serão tributadas, o que vai onerar sobremaneira o setor e encarecer a exploração. Caberá aos estados e Distrito Federal prever as isenções por lei própria.
No tocante ao IPTU, uma pequena alteração foi prevista no texto constitucional, permitindo a atualização da sua base de cálculo por ato do poder executivo, desde que os critérios sejam estabelecidos por lei municipal. Já havia no CTN previsão parecida, no artigo 97, §2º que previa que a atualização da base de cálculo não poderia ser considerada majoração e com isso, não estaria submetida ao princípio da legalidade. Com a previsão constitucional, será necessária uma lei municipal prevendo os critérios para a atualização, gerando uma maior segurança e previsibilidade para os contribuintes.
A grande inovação é a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Tal imposto, incidirá sobre operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços, sobre a importação de bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou de serviços realizada por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade.
O fato gerador é a junção dos atuais ICMS e ISS. Entretanto, muito deverá ser discutido acerca da efetiva hipótese de incidência, pois não incidirá sobre locação, por não se tratar de serviço ou operação com bem material ou imaterial. Mas, para garantir tal incidência, o artigo 9º do texto apresentado prevê a locação como operação a ser tributada, o que certamente será origem de um profundo contencioso. Vejamos o que são considerados serviços e operações de acordo com o projeto:
"I – serviços financeiros: a) operações de crédito, câmbio, seguro, consórcio, arrendamento mercantil, faturização, previdência privada, capitalização, operações com títulos e valores mobiliários e outras que impliquem captação, intermediação, gestão ou administração de recursos; e b) outros serviços prestados por instituições financeiras e equiparadas, na forma de lei complementar; II – operações com bens imóveis: a) incorporação imobiliária; b) parcelamento do solo e alienação de bem imóvel; e c) locação e arrendamento de bem imóvel."
Como se pode ver, a lógica é a ampliação das hipóteses de incidência previstas atualmente, mas resta prevista a não incidência na exportação, seguindo a lógica de que o Brasil não exporta tributos, mas fica resguardado o direito ao crédito.
O IBS terá uma lei complementar nacional e cada ente federado definirá sua alíquota por lei específica e será única para todos os bens ou serviços. Aqui há uma importante alteração com relação à sistemática atual, pois a alíquota efetiva será o somatório da alíquota estadual com a alíquota do município de destino da operação e será não cumulativo. Entretanto a regra de não cumulatividade mantém a lógica do imposto sobre imposto, gerando crédito somente o imposto recolhido na operação anterior, não gerando direito ao creditamento a aquisição de materiais de uso ou consumo pessoal.
É criado o Conselho Federativo do Imposto sobre Bens e Serviços, que após regulamentação por meio de lei complementar federal, terá a atribuição de coordenar a atuação integrada dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na fiscalização, no lançamento, na cobrança e na representação administrativa ou judicial do imposto, podendo definir hipóteses de delegação ou compartilhamento de competências entre as administrações tributárias e entre as procuradorias dos entes federativos.
Com a finalidade de substituir as contribuições para o PIS e a Cofins e o Imposto sobre Produtos Industrializados é criada a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que não incidirá sobre as próprias bases e não terá o efeito cascata previsto para imposto seletivo. Ponto relevante é que tal contribuição será devolvida para as pessoas físicas nos termos da lei complementar.
As alíquotas do IBS e da CBS poderão ser reduzidas em 50% para serviços de educação, saúde, dispositivos médicos, medicamentos, serviços de transporte público coletivo urbano, semiurbano ou metropolitano, produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura, insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal (que integram a desta básica) e atividades artísticas e culturais nacionais.
Tal dispositivo já pode ser questionado de início pois, somente a título de exemplo, o conceito do serviço de saúde é amplo e certamente trará um contencioso de massa em potencial, pois o que será considerado como saúde? Caberá à lei complementar definir e os serviços excluídos questionarem em juízo.
Outrossim, importante destacar que as profissões regulamentadas ficaram de fora dos benefícios constitucionais, cabendo à lei complementar, isonomicamente, distingui-las, pois médicos, advogados, dentistas, dentre outros, poderão sofrer uma aumento de tributação de mais de 500% do que é pago atualmente.
O IPI, o ICMS e o ISS somente serão efetivamente extintos em 2033, sendo aplicada uma redução gradual a partir de 2027, com a extinção completa do IPI, que será mantido somente para os produtos produzidos na Zona Franca e a transição da distribuição da receita ocorrerá até 2078.
Por fim, mas não menos relevante, caberá ao Poder Executivo encaminhar ao Congresso, em até 180 dias da promulgação da Emenda Constitucional, um projeto de lei para reforma da tributação sobre a renda, como fonte de compensação para redução da tributação sobre a folha de pagamentos e do próprio IBS. Como se pode ver, apesar não ser uma reforma completa, ela já determina que haverá uma segunda fase de modificação do sistema tributário nacional que ficará por conta da União Federal.
Sem dúvidas, não estamos diante do melhor modelo de reforma, que deveria ser mais discutida entre os setores interessados, mas o texto apresentado corrige alguns erros históricos da tributação brasileira e insere novos equívocos no sistema tributário nacional, que se não debatidos previamente, serão judicializados no futuro, colaborando para o cíclico contencioso de massa em matéria tributária.
[1] É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no artigo 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional. [2] RE 562.045.
Fonte: ConJur
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